Os enigmas de Imola
Ayrton Senna conquistou na alma dos brasileiros um espaço único. Seu talento para guiar um carro, era excepcional, algo fora do normal. Um gênio das pistas que nos contagiava com sua emoção.Como muitos sabem, o próximo dia 1º de maio marcará 19 anos do trágico acidente que vitimou o piloto brasileiro, no circuito de Imola, na Italia. Nesse periodo que antecede esta data, o blog relembrará alguns momentos da trajetória de Ayrton Senna.
Inaugurando a série, o blog divide com aqueles que não tiveram a oportunidade de ler, uma pequena parte da obra de Ernesto Rodrigues - O Heroi Revelado
Os enigmas de Imola
"No horário da Italia, eram 13h27 do dia 1ºde maio de 1994, quando Ayrton surgiu dos fundos do boxe da Williams,macacão amarrado a cintura, pronto para entrar no carro e seguir para o grid de largada. Como fazia em todas as corridas, o cinegrafista Armand Deus, da TV Globo, apertou o botão de sua camera Betacam e começou a capturar as imagens. Procedimento de rotina.Não era para uma transmissão ao vivo. As imagens seriam usadas para ilustrar a reportagem sobre a corrida que o correspondente Roberto Cabrini editaria no final do dia, a tempo de ser gerada para o Rio de Janeiro e exibida no programa Fantástico.
Não era um dia de sorrisos para ninguem no autodromo de Imola.
Menos ainda para Ayrton, que havia anos já assombrava mecanicos, engenheiros, jornalistas e namoradas com sua capacidade de concentração nos momentos que antecediam a largada, tornando todos a sua volta rigorosamente invisiveis e inaudiveis. Seu olhar, naqueles momentos, parecia estar em outra dimensão. Sua seriedade formava uma muralha da qual poucos ousavam se aproximar, não importando a patente familiar ou a relação contratual.
Para alguns, naqueles momentos ele antecipava curvas e movimentos dos adversarios. Para outros rezava. Outros ainda achavam que aquela era uma travessia sensorial para um mundo cheio de furia que só cabia e existia no cockpit. Uma travessia sem volta até que a corrida, a dele, terminasse.
A camera de Armand Deus continuava gravando quando Ayrton se aproximou da parte traseira de sua Williams e pousou as mãos sobre o aerofólio.Teve uma rápida conversa sobre a suspensão traseira com o engenheiro David Brown. Depois, seu olhar passou a alternar entre o nada e a Williams, ainda suspensa nos cavaletes, sem as rodas, recebendo os ultimos ajustes dos mecânicos.
Era mais que a concentração de sempre. Havia uma contida inquietação. E também uma tristeza solene e impotente. Estavam ausentes, no seu semblante, como desde o inicio daquele ano, a intensidade e aquele olhar de predador dos tempos da Lotus e da McLaren. Nem mesmo o rápido comentário de Patrick Head,o diretor da Williams, pareceu diminuir a distancia que ele mantinha de tudo que o rodeava.
Algum pensamento finalmente o resgatou daquela estranha dispersão para o ritual do cockpit: balaclava, capacete, macacão fechado até o pescoço e uma espera disciplinada, de pé, com as mão cruzadas sobre a cintura, pela ordem de entrar no carro e ajustar o cinto de segurança.
As imagens gravadas por Armand Deus no boxe da Williams e, minutos depois, as que foram feitas no grid de largada, quando Ayrton mudou a rotina e tirou o capacete, se tornaram históricas. Deflagraram o sofrido exercicio do qual milhões de pessoas, especialmente os brasileiros, se entregaram nos dias seguintes:o que estava por trás daqueles últimos olhares, gestos e silencios?Havia muitas respostas possiveis, sozinhas ou combinadas. Dentro e fora da pista.
Schumacher estava ali, quase ao lado, mais do que nunca disposto a detroná-lo. Roland Ratzenberger morrera depois de uma batida centenas de metros a sua frente, no dia anterior, e o fizera, pelo menos por algumas horas, desistir de correr. Rubens Barrichello, que ele vinha tratando como uma espécie de irmão mais novo das pistas, sobrevivera a um acidente assustador, na sexta feira. Aquela Williams que ele chamava de "cadeira elétrica", um carro arisco e dificil de guiar, estava consumindo pneus com preocupante rapidez. E, na noite anterior,ele tinha ouvido uma gravação.Uma conversa de Adriane Galisteu com um antigo namorado.
A placa de um minuto foi erguida. Vinte e cinco motores de Formula 1 começaram a rugir.
Ayrton, na hora de acelerar, costuma deixar todas as preocupações de lado. Não trocava as emoções do cockpit por nada da vida. Em mais alguns segundos, ele entregaria de novo à aventura que tinha começado aos quatro anos de idade ,ao soar de um motor de picadeira de cana, com três cavalos de potencia."
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